Ontem trouxemos orientações preliminares sobre contratos de trabalho neste contexto da “crise COVID-19”, e hoje resolvemos reunir breves considerações sobre contratos privados, isto é, contratos de locação comercial, com fornecedores, bancários, entre tantos outros, e os possíveis impasses que emergirão após ou mesmo durante este período de shutdown de parte substancial da economia.
A empresa de logística que não entregou carga perecível, por
exemplo, por conta de fechamento de rodovias, responderá pelos prejuízos
causados ao seu cliente, dono da carga?
E a empreiteira que tinha por obrigação entregar obra certa em
data contratualmente estabelecida e que foi obrigada a desmobilizar equipe em
fase crítica da empreitada, estará sujeita a pagar multas contratuais,
indenizações ou outras sanções?
Já a rede de lojas de roupas instalada em Shopping Center e que ficou privada
de funcionar poderá pleitear revisão dos aluguéis, inclusive para
ajustá-lo a eventual (e provável) redução do preço médio das locações? Esta
segunda revisão – para fins de redução ao valor de mercado – seria possível
mesmo nos contratos que ainda não completaram três anos (art. 19 da Lei nº.
8.248/1.991)?
Enfim, várias são as questões que se avizinham, e nem todas elas têm respostas
diretas.
A primeira, por exemplo, é respondida pelo artigo 753 do Código Civil, que
dispõe que, se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o
transportador deverá imediatamente comunicar e solicitar instruções ao
remetente, bem como zelará pela carga responderá pelo seu perecimento ou
deterioração, salvo força maior.
Quanto ao impasse da empreiteira, o art. 625, I, do Código Civil elucida que a obra poderá ser suspensa por motivo de força maior.
Por outro lado, não há na lei nenhuma previsão específica para todo o terceiro
caso, salvo o art. 19 da Lei do Inquilinato, que autoriza revisão de aluguel no
caso de tentativa frustrada de acordo entre locador e locatário relativamente a
contrato ou acordo com pelo menos três anos de vigência.
E diante da impossibilidade de responder a todas as questões concretas,
e considerando que a minoria delas tem previsão específica na lei,
achamos por bem tecer considerações gerais que partem daquilo que todas elas
têm em comum, seja em maior ou em menor escala: o shutdown repentino
da cadeia produtiva em razão do COVID-19.
Pois bem.
A primeira coisa que se deve ter em mente é que o Código Civil brasileiro tem como norte os princípios da intervenção mínima do Poder Judiciário nas relações contratuais privadas e da excepcionalidade da revisão contratual.
No entanto, este mesmo Código Civil prevê a possibilidade de desfazimento
e de revisão de contratos civis e empresariais em vista de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis – a chamada “teoria da imprevisão” -,
bem como prevê a regra da “irresponsabilidade” pelos prejuízos decorrentes de
eventos extraordinários.
Para citar um exemplo, a teoria da imprevisão foi amplamente debatida no Poder
Judiciário quando da repentina desvalorização do real frente ao dólar no ano de
1.999, que desencadeou uma crise de natureza estritamente monetária e afetou
contratos das mais diversas estirpes indexados à moeda, com destaque para
contratos de derivativos e de financiamento bancário.
Na ocasião, o Judiciário em geral decidiu pela revisão dos contratos, ao fundamento da já citada “teoria da imprevisão”, evitando assim até mesmo a quebra de um dos contratantes frente ao desproporcional enriquecimento do outro. Por outro lado, mais recentemente, diante da “maxidesvalorização do real em relação ao dólar no segundo semestre de 2008”, o STJ decidiu que não havia motivo para a revisão de contratos de derivativos.
Na prática, como o fato “COVID-19/shutdown da economia” não está
normalmente coberto pelos riscos de nenhum contrato, é possível
pleitear revisão ou mesmo desfazimento de contratos privados e é bastante provável
que o Poder Judiciário em uníssono venha a aplicar a teoria da imprevisão
nesses casos.
Mas, é claro, o sucesso destas eventuais demandas dependerá de cada situação
concreta.
Já outro ponto relevante é o fato de que “o devedor não responde pelos
prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se
houver por eles responsabilizado”, e que “caso fortuito ou de força maior
verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou
impedir” como cita o art. 393 do Código Civil.
Em relação aos mais diversos contratos será, pois, possível defender a tese de
que não há relação de causa e efeito entre mora do devedor (atraso de
pagamento) e prejuízo do credor, vez que a mora, em casos concretos
específicos, terá decorrido de um Ato de Deus e/ou de um fato do príncipe, isto
é, de “força maior” apta a romper qualquer nexo de causalidade.
Por outro lado, e se houver a intenção de rompimento e/ou de revisão de
contrato em meu desfavor?
Tanto neste caso como também na hipótese “inversa” é recomendável a negociação
extrajudicial, a fim de que se chegue a um acordo que contemple a melhor
solução possível para duas partes.
De
toda sorte, o Código Civil em seu art. 479 prevê que “a resolução poderá ser
evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições
do contrato”.
Enfim, esta tormentosa e excepcional situação autoriza discussões judiciais com
o objetivo de rever ou mesmo de desfazer contratos, mas a recomendação é,
sempre que possível, buscar renegociar as condições e os efeitos contratuais
amigavelmente, principalmente porque, após a Lei da Liberdade Econômica, ficou
mais difícil obter decisões que interfiram em contratos privados.
Uma boa negociação com os parceiros evitará disputas judiciais onerosas,
minimizando riscos e incertezas e equacionando esta dura situação da melhor
forma possível, para as duas partes.
No próximo informativo, traremos informações sobre os contratos bancários e as
recentes medidas do governo que flexibilizam as negociações com instituições
financeiras.
Estamos à disposição.
Garcia & Oliveira Advogados Associados.